Bolsonaro teme o avanço chines no Brasil - Gazeta do Povo, 1/03/2018
País comunista é o maior parceiro
comercial brasileiro e vem aumentando investimentos no Brasil. Dependência é um
risco, mas discurso do pré-candidato pode ser estratégia errada
Flávia
Pierry
Brasília, Gazeta do Povo, 01/03/2018
O
deputado e presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) está fazendo um tour pela
Ásia. Já passou pelo
Japão e Coreia do Sul e deve encerrar o giro em Taiwan. Já a China,
o maior parceiro comercial do Brasil, ficou de fora do roteiro. A razão é muito
simples: Bolsonaro já repetiu em diversas ocasiões ser contrário ao avanço
chinês no Brasil. "A China não está comprando no Brasil, está comprando o
Brasil", afirmou o pré-candidato em mais de uma entrevista. Mas a
proximidade dos chineses deve ser vista como algo ruim? Para especialistas,
essa relação deve ser cultivada, mas com precaução.
A
China não deve ser vista como um parceiro internacional comum, avalia o
cientista político e especialista em relações internacionais Wagner Parente,
diretor da consultoria Barral M Jorge. “Os chineses planejam investimento com
foco diferente do nosso. A intenção não é puramente privada, tem um plano por
trás, que são os planos quinquenais do Partido Comunista. A China não pode ser
considerada um parceiro normal, porque não é”, afirmou.
Apesar
dessa atipicidade dos investimentos chineses, a começar pelo inseparável
vínculo entre o Estado e o Partido Comunista, Bolsonaro ainda não conseguiu dar
clareza a sua proposta para as relações internacionais ao criticar a
China.
“Bolsonaro
está tateando qual será sua política externa. Ele está num momento de fazer um
programa de governo minimamente consistente e está com muita dificuldade. Tem
tentado coordenar o histórico dele com uma guinada liberal. É difícil, ele tem
um discurso estadista e agora busca o mercado, iniciativa privada. Não é um
raciocínio completamente despropositado se preocupar com China e é fácil
pintá-la como inimigo. O difícil é como você se aproveita do momento chinês e
traz benefício para o país”, disse Parente.
A
China é o maior parceiro comercial brasileiro, destino de um quarto de tudo o
que o Brasil vendeu ao exterior no ano passado (US$ 47,5 bilhões, do total de
US$ 217,7 bilhões exportados), principalmente itens básicos, como soja e
minério de ferro. É de lá também que o Brasil mais recebe importações (US$ 27,3
bilhões do total de US$ 150,7 bilhões comprados no ano passado).
Crítica
pelos motivos errados
Bolsonaro
critica algo que procede, mas pelos motivos errados. Ao dizer que a China é uma
ameaça, o pré-candidato não está considerando o risco de o Brasil ter uma pauta
de investimentos e comércio exterior tão dependente de um único país. O
deputado está criticando a nação comunista sob o prisma de uma visão ideológica
e nacionalista que ainda mantém, mesmo após os acenos de que quer adotar um
programa econômico pró-mercado e liberal.
"Visitei
a região produtora de grafite de Miracatu (SP) e vi muita gente de olho puxado
que está ali fazendo pesquisa há décadas, não podemos permitir isso",
teria dito o pré-candidato segundo reportagem do site BuzzFeed, em fevereiro
deste ano.
Para
o analista Wagner Parente, Bolsonaro não vai conseguir resolver o problema da
concentração chinesa nos investimentos no Brasil com declarações ou frases de
efeito.
“O
Brasil deve perseguir uma exposição um pouco menor perante a China. Devemos
buscar mais acordos comerciais, novos parceiros. Isso também em relação a
investimentos. Mas não conseguimos fazer isso com retórica. Temos de negociar,
buscar acesso a mercados brasileiros em mercados não convencionais, onde não há
restrições. São ações concretas. Não precisamos declarar guerra à China, mas o
Brasil deve cuidar para reduzir sua exposição e isso não só com a China”,
avalia.
Entre
2010 e 2015, foram investidos no Brasil US$ 37,1 bilhões pelos chineses,
segundo o Conselho Empresarial Brasil-China. Na última década, em alinhamento
com os planos do Partido Comunista, a China criou ondas de investimentos no
Brasil. Entre 2007 e 2009, eles buscaram commodities (alimentos e minério) no
país, fomentando recordes comerciais brasileiros. De 2011 a 2013, foi a fase do
desenvolvimento industrial quando, em alinhamento com as políticas do governo
petista, os chineses trouxeram indústrias para o Brasil, como a Sany
(montadoras de máquinas e equipamentos), a Chery (veículos) e Huawei e Lenovo
(eletrônicos e comunicação).
A
terceira onda foi em 2013, com bancos chineses trazendo suas operações ao
Brasil, e a quarta onda se iniciou em 2015, com grandes investimentos no setor
de energia, como a compra de usinas hidrelétricas no governo Dilma Rousseff,
resultando em arrecadação de R$ 17 bilhões no final daquele ano. Desse total,
R$ 13,8 bilhões foram pagos pela gigante China Three Gorges (CTG), dona da
maior hidrelétrica do mundo. Na área de petróleo os chineses também fizeram
aquisições no Brasil, como a compra de 40% das operações brasileiras da
petroleira espanhola Repsol pela estatal chinesa Sinopec.
Aportes
devem continuar, querendo ou não
Como
a economia chinesa é gigante, é possível esperar que os aportes e investimentos
no Brasil continuem. Segundo o Conselho Empresarial Brasil-China, em 2016
estavam previstos investimentos da ordem de US$ 12,5 bilhões por aqui.
Na
política, a China vem abrindo sua economia ao mundo, mas ainda mantém no
Partido Comunista sua base. Tradicionalmente, o presidente do país é o
secretário-geral do partido, e o atual presidente, Xi Jinping, está
fortalecido, com uma
tentativa do partido de permitir reeleições sem limite para o presidente,
a ser votada em março. Xi já é visto como o novo Mao-Tsé Tung, o fundador da
China moderna.
Se
por um lado a China vem aprendendo a ocupar seu espaço na economia mundial e a
dialogar com o mercado financeiro, por outro o papel do Partido Comunista
seguirá grande na economia e nas empresas estatais, o que pode significar risco
para a administração dessas empresas em outros países.
Bolsonaro
ainda precisará esclarecer por que critica a China e com que objetivo, sem o
espectro nacionalista e cheio de resquícios de um mundo dividido nos anos de
guerra fria. "A China está comprando terras agricultáveis do Brasil e isso
é preocupante porque a nossa segurança alimentar brevemente estará nas mãos dos
estrangeiros. Não quero brigar com país nenhum nem impedir o comércio, mas não
podemos vender o Brasil", disse o pré-candidato durante a visita ao
Japão.
Em
uma entrevista à Bloomberg em Nova York, falando diretamente com os
investidores internacionais, Bolsonaro chegou a dizer que a China “não tem
coração”, sugerindo restringir acesso a setores estratégicos. Em dezembro
passado, em sua conta do Twitter, comentou que o Brasil estaria “perdendo o
controle da produção primária e da sua própria segurança alimentar. É preciso
estabelecer limites legais, urgentes e propositalmente não utilizados nesta
área”.
O
analista e especialista em Relações Internacionais alerta que Bolsonaro tem de
correr para definir seu discurso de forma clara. “Falar que há perigos com a
China é falar obviedade. Agora como se usa isso em favor do Brasil? Apontar que
é o inimigo, não é assim que se faz. Bolsonaro precisa desenvolver muito suas
propostas e para a política externa ele não tem essa pessoa que aponte o dedo,
mostre o caminho. É bom que apareça logo, antes que ele se meta numa encrenca”,
conclui Parente.
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